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Meu filho não entende o que eu falo

Deus me presenteou com três filhos maravilhosos! No momento que escrevo esse artigo, eles já chegaram à maior idade. Com todos eles, sem exceção, repetidas vezes usei a frase: “Você não entende o que eu falo”.

Lembro-me de uma ocasião em que fui buscar uma das minhas filhas na escola. O percurso de ida e volta somava 20 km. Em minha agenda, anotei alguns “pontos de crescimento” que eu precisava passar para ela! Depois de alguns minutos de quebra-gelo, lancei algumas perguntas para provocar sua reflexão e, assim, chegar ao assunto sem assustá-la. Percebi logo no início que a estratégia não daria certo. Ela ficou na defensiva e não demorou para entrar na ofensiva! Ficamos alterados e impossibilitados de uma comunicação saudável. Entramos no apartamento irritados um com o outro e nossa comunicação ficou interrompida por pelo menos quatro dias. Minha esposa não falou nada: e nem precisava! Seu olhar encarando-me por alguns segundos foi suficiente para eu me sentir ainda mais irritado, triste e perplexo, tentando entender o que havia acontecido.

Depois de um bom tempo dando um “replay” do episódio na minha cabeça, tomei a iniciativa e chamei minha filha para restabelecermos a comunicação e resolvermos o conflito. Tudo voltou ao normal! Mas a perplexidade aumentou ainda mais quando, em um tempo reservado para conversar com toda a família, compartilhei o que havia acontecido e meus outros dois filhos abriram seus corações para revelar o medo, receio, insegurança que tinham de conversar comigo. Uauu! E agora, David?

Afinal! São os filhos que não entendem o que falamos ou somos nós, pais, que não sabemos nos comunicar? Por que pais e filhos têm encontrado tanta dificuldade na comunicação? O que fazer para melhorar a qualidade do diálogo na família? Como podemos de forma inteligente e criativa resolver os conflitos que surgem na nossa relação?

Creio que você concordará comigo que essas perguntas são profundas e absolutamente necessárias para compreensão do nosso tema! Valeria a pena separar um dia inteiro, em um lugar afastado da cidade, para mergulhar em cada uma delas, buscando descobrir respostas. Na condição de um psicólogo que tem trabalhado com psicoterapia e mentoria de casais e famílias, senti-me na obrigação de refletir sobre a experiência que tive com minha filha para identificar e aprender com meus  erros e acertos e, com isso, tomar algumas medidas preventivas. Aqui estão algumas descobertas, lições e princípios que, se entendidos e aceitos, certamente farão muita diferença em sua relação com os filhos:

Conflito de gerações: “Homens são de Marte, mulheres são de Vênus”,  é o título de um livro escrito por John Gray que procura retratar as diferenças gritantes existentes entre homens e mulheres, que fazem com que se comuniquem como se fossem de outro planeta. E os filhos são de onde? Quem sabe sejam da Terra! Talvez seja essa a razão deles não entenderem o que você fala! Brincadeiras à parte, o fato é que, em nossas relações humanas lidamos com distâncias astronômicas e, no dia a dia, nem fazemos ideia do quanto isso interfere em nossa comunicação. Pais e filhos não apenas pensam de forma diferente, como também vêem, sentem, reagem e desejam coisas diferentes. É como se ambos fossem de planetas distintos e falassem línguas estrangeiras que precisam de tradução.

Bem-vindo ao conflito de gerações! Por um lado temos os pais com sua vasta experiência, valores, princípios, tentando mostrar aos filhos como viver de forma sábia, evitando erros para a construção de um futuro seguro. No lado oposto estão os filhos, crescendo no contexto da globalização, consumismo, mundo virtual, bombardeados por um universo de informações de toda espécie na internet e por uma mídia que prega e apela para uma independência cada vez mais irresponsável de crianças e adolescentes. Aqui está, pai e mãe, seu primeiro desafio para não ficar tão estressado e frustrado na comunicação com seus filhos:

  1. Entender e aceitar com prudência essas diferenças, buscando discernir o tempo e geração que vivemos.

  2. Firmar bons fundamentos no processo de criação de seus filhos e jamais negociar os valores de uma família saudável.

  3. Usar a criatividade para sintonizar a frequência desses dois mundos, liderando pela relação e influência e nunca pela coação, imposição,  manipulação ou chantagem.

Qualidade na comunicação: Seu filho precisa entender e aprender a ouvir sua voz. Salomão, considerado o homem mais sábio de todos os tempos, escreveu um livro intitulado “Provérbios”. Entre os muitos conselhos profundos que ele dá aos filhos, quero destacar dois que considero muito pertinentes para os nossos dias: “Filho meu, ouve a instrução de teu pai, e não deixes o ensinamento de tua mãe”. Um pouco mais à frente, lemos: "O filho sábio acolhe a instrução do pai, mas o zombador não ouve a repreensão”. Pais, não abram mão do seu dever e compromisso de ensinar, educar, mentorear e corrigir seus filhos. Deixar de fazer isso é abdicar da sua missão. Contudo, se sua realidade é a de um pai ou mãe que não consegue fazer sua voz ser ouvida e entendida, é preciso parar e identificar quais são os obstáculos na comunicação com seu filho. Aqui vão algumas dicas:

  • Seu filho não vai escutá-lo se não houver uma boa base de relacionamento com ele: Há muitos filhos “órfãos” de pais vivos! Embora vivam juntos debaixo do mesmo teto, a relação que desenvolvem é fria, superficial, hierárquica, pautada por regras, limites exagerados e um ambiente tedioso. O estilo de vida corrido e complicado no trabalho e nas finanças tem roubado o tempo de qualidade que os pais deveriam dedicar em casa, investindo no relacionamento comprometido e saudável com sua família. Seus filhos precisam sentir que você é um pai-amigo ou uma mãe-amiga, que acha tempo para estar na companhia deles. Seus filhos querem perceber que você tem prazer em, sem pressa, ouvir “abobrinhas”, jogar conversa fora, passear, brincar, curtir a realidade de ser família. Esse tipo de relacionamento demanda tempo. Seus filhos precisam saber e sentir que em sua agenda eles são prioridades! Se não investirmos tempo na companhia dos nossos filhos quando ainda pequenos, eles dificilmente desejarão a nossa quando se tornarem adolescentes.

  • Seu filho não vai escutá-lo se não se sentir amado por você: Eu nunca tive dúvidas do amor que tenho pelos meus filhos. Mas é possível haver uma distância gigantesca entre o amor que declaramos ter e a realidade deles se sentirem amados. Sentimentos são sempre válidos! Eles podem ser embasados em coisas que não são reais e verdadeiras, mas, mesmo assim, são legítimos, devendo ser respeitados e valorizados. Se você perguntasse aos seus filhos o quanto se sentem amados por você, que resposta você acha que dariam? Se quiser mesmo saber, peça a alguém para fazer a pergunta em seu lugar! Talvez você ouça que eles se sentem pouco amados. Isso não significa que você não os ame, apenas que, por alguma razão, eles não estão sentindo seu amor. Esse é o ponto aqui! Corra atrás para entender o que está acontecendo e, com urgência, tomar as providências em relação a você e seus filhos. Pense nisso como aquela “luz amarela” que está piscando anunciando um problema que você precisa descobrir como consertar.

  • Seu filho não vai escutá-lo se houver um déficit emocional na relação: Fiquei surpreso algum tempo atrás quando identifiquei feridas paternas em meu coração. Elas foram causadas de forma involuntária por meus pais, sei que não havia neles a intenção de me ferir. Porém, a maior descoberta foi perceber que eu estava procedendo da mesma forma, ferindo meus filhos emocionalmente! Como pais temos a responsabilidade de expressar o amor fundamental em nossa família. Isso acontece na prática quando comunicamos nosso amor por meio do toque, do cheiro, do abraço, da qualidade de tempo dedicada a eles, da verbalização, afirmação e demonstração frequente do valor que lhes damos. Quando crianças crescem sem esse investimento, cria-se um vazio grande em seu coração, uma carência que mais cedo ou mais tarde virá à tona em forma de dor, revolta, raiva ou fuga. Isso bloqueia por completo qualquer tentativa de comunicação bem sucedida. Acredite, se seus filhos se sentirem feridos por você, por mais precioso que seja seu conselho, eles terão muita dificuldade em ouvi-lo!

  • Seu filho não vai escutá-lo se você não souber falar a língua dele: Comunicar é uma arte, um desafio, uma habilidade que precisamos desenvolver. Eu sei que estou sendo ouvido quando o outro é capaz de repetir o que eu estou querendo dizer. Entendam, pai e mãe, que a comunicação deve ser diferenciada em cada fase do desenvolvimento infantil. A forma como você se comunica com seu filho desde o seu nascimento precisa ir mudando, adaptando-se à medida que ele vai crescendo. Eu chamo isso de “comunicação situacional”. Um dos meus erros no confronto com minha filha foi tratá-la como uma criança quando ela já era uma adolescente com opiniões bem definidas.

  • Seu filho não vai escutá-lo se você não aprender a ouvi-lo primeiro: Isso vai muito além de entender o que ele está pensando e dizendo, tem especialmente a ver com a habilidade de discernir quais são os sentimentos por trás do que ele está falando ou fazendo. Quando minha filha ficou "armada” em nossa conversa, era preciso discernimento da minha parte para refletir: “O que ela está sentindo?”. Não era preciso muito esforço para entender que ela se sentia acusada por mim! Veja, não era isso que eu queria fazer, mas era assim que ela estava se sentindo.

O que fazer para se aproximar mais dos seus filhos e facilitar a comunicação?

  1. Avaliação: Resolva o que precisa ser resolvido dentro de você. Cuide para não projetar seus medos e inseguranças em seus filhos. Eles vão errar, pisar na bola, falhar. É normal ficarmos tristes, irados e eventualmente frustrados. Mas, se esse tipo de reação tem sido frequente, é o momento de se perguntar: “O que há dentro de mim que está me machucando?". Mergulhe nessa reflexão e, se sentir necessidade, peça ajuda ao seu mentor ou a um bom psicólogo para essa avaliação.

  2. Investigação: Separe um tempo para listar as barreiras, bloqueios que estão interferindo na relação. Uma conversa aberta com seu cônjuge pode trazer algumas revelações, um papo corajoso e amável com seus filhos abrirá seus olhos. Investigue os impedimentos internos e externos e remova-os!

  3. Informação: Leia, leia muito. Há excelentes livros que te ajudarão a conhecer mais sobre relacionamentos saudáveis e comunicação eficiente. Aqui vão algumas sugestões: Criando Filhos Emocionalmente Saudáveis (Ed. Textus); Crescendo com seu Filho Adolescente (Ed. Palavra); As Cinco Linguagens do Amor (Ed. M.C); Educando Meninos (Ed. Vida); A Autoestima do seu Filho (Ed. Martins Fontes). Não se esqueça: Quem lê aprende mais, tem o que falar, erra menos, aumenta seu leque de soluções.

  4. Conexão: Conquiste o coração dos seus filhos. Crie memórias! Faça agora mesmo uma reestruturação do seu ritmo de vida, pegando sua agenda e separando semanalmente um dia e horário exclusivo para eles. Lembre-se que a qualidade desse tempo será muito mais importante que a quantidade. Rob Persons, em seu livro “O Pai Sessenta Minutos”, dá boas dicas de como administrar esse momento de forma inteligente e criativa. Seja fiel e autodisciplinado nesse compromisso!

“Um dia desses terei mais tempo”. Inconscientemente essa frase me acompanhou por um bom tempo! A “ficha caiu” um dia, na sala de minha casa, quando minha esposa fazia uma limpeza geral e parou para olhar algumas fotos com os nossos filhos. Eles riam, comentavam e faziam uma festa! Ao contrário deles, fiquei constrangido, porque eu não tinha aquelas memórias. Perguntei-me onde eu estava. Dedicado ao trabalho foi a resposta! O tempo estava passando enquanto eu dizia que um dia teria mais tempo; meus filhos estavam crescendo e nem lembranças eu estava deixando como herança. Felizmente, percebi a tempo de pedir perdão a eles, arrepender-me e buscar restituir o dano que causei para toda a família. Convido você a fazer o mesmo! Mesmo se seus filhos já forem adultos, esse tipo de atitude poderá salvar a família que eles estão construindo ou formarão um dia.

PSIC. DAVID ROCHA SALES

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