Andar no limite é viver em zona perigosa.
Há alguns anos, Brasília experimentou escassez de chuva e nossos reservatórios chegaram abaixo do limite. Nesse tempo aprendi algo importante sobre reservatórios: é que abaixo do nível de água destinada ao consumo há uma grande quantidade para uso emergencial chamada de reserva técnica, isto é, um grande volume de água que é guardado abaixo da linha do dreno e que, quando liberada, abastece por bom tempo a cidade até que venham as chuvas. Isso significa que não se consome recursos de forma ordinária até o esgotamento, é sempre bom deixar uma reserva para emergências. Este mesmo princípio não se refere apenas ao trato com a água, mas se estende também aos recursos financeiros, força física etc... mas quase sempre se esquece de ter reserva técnica destinada às emoções - que chamo aqui de tanque emocional.
Poucas coisas são mais desafiadoras que a convivência com o outro. Quanto maior o grupo, maior a possibilidade de surgirem conflitos, que em si mesmos não são ruins, pois são oportunidades para que divergências venham à lume e sejam resolvidas. Mas é sempre importante que não se acumulem conflitos sem devido fechamento, pois os mesmos se tornam fonte de esgotamento do “tanque emocional”.
David Kornfield diz que área emocional é como a cinderela da alma: “A alma é definida classicamente como intelecto, vontade e emoções. Nós evangélicos somos fortes na primeira área, dada nossa grande ênfase em seminários teológicos, ensino..., já não somos tão bons quanto a vontade, mas os movimentos e discipulado nos ajudam em muitos casos. De modo geral temos bem menos ideia do que fazer com os problemas emocionais. Se não levarmos a sério a necessidade de resolvermos os problemas emocionais e dificuldades de relacionamentos, acabaremos perdendo a habilidade de dizer que temos boas novas para as pessoas não crentes” (O Líder que Brilha - página 66/67)
O fato é que caminhar juntos, seja em grupo de trabalho ou equipes ministeriais, é como ser colocado num laboratório de testes emocionais. Pessoas com o mesmo chamado, mas com marcas de personalidade e estilos de trabalho divergentes, quando colocados em grupos de trabalho com o propósito de fazer o melhor no reino de Deus, não demora para perceberem que antes de fazer algo para Deus precisam fazer algo por si mesmos. Então, rever sentimentos, sensibilidades, capacidade de aceitação de si e do outro, graça para ver no outro o que há de melhor, admitir os própios limites e falhas, são apenas alguns componentes nesse tubo de ensaio de convivência e mais comum que se imagina, as reações nessa química humana são tóxicas.
O ministério atribuído de seus muitos afazeres, gritando necessidades por todos os lados é um dreno constante do tanque emocional de quem está em liderança. Por isso, não é raro termos pastores e líderes irritados, irados, magoados, ressentidos e alguns até com atitudes opostas a tudo que creem teologicamente e, opostas também, ao que gostariam de sentir e fazer.
Um grupo de pastores reunidos num retiro nos campos de Dotã se sentia esgotado emocionalmente com um de seus membros (ausente naquele retiro), pois já há algum tempo, quando lhes dirigia a palavra, esta vinha eivada de agressividade e ódio. O tempo passou, as questões não foram tratadas e as cordas emocionais foram esticadas até a ponto de se romper. Naquele dia, o anúncio de sua chegada ao retiro acirrou os sentimentos, e não foi com dificuldades que em pouco tempo o mesmo estava jogado numa cisterna seca e, logo depois, amarrado em uma fieira de homens que seguiam como escravos para o mercado egípcio. Descobriu-se naquele dia que não é difícil matar um irmão.
Os irmãos de José, por exemplo, estavam sem essa reserva, mas nem todos os pastores são assim. O pastor Davi, mesmo jovem, entendia o valor da “reserva técnica”, quando seu irmão Eliabe o fere com palavras duras “eu bem conheço a tua presunção e a maldade do teu coração” Davi apenas desviou-se dele e seguiu seu chamado para derrotar o Golias. Antes de fazer um grande feito para Deus, precisou fazer algo por si mesmo: ter uma reserva emocional.
Seu tanque emocional estava abastecido por meio de tempo a sós com Deus nas campinas de Belém. Cuidava do rebanho, mas cuidava de si mesmo. Pastoreava as ovelhas, mas se deixava cuidar enchendo o seu tanque emocional:
“O Senhor é o meu pastor, de nada tenho falta. Desço com ele as fontes de águas tranquilas e lá bebo da água e refrigero a minha alma. Lá deixo drenar minhas angústias, medos, ansiedades e ira; e renovo, abasteço meu tanque emocional em uma mesa farta que ele prepara para mim”.
O Tanque emocional de Jesus de Nazaré, o mestre das emoções, sempre tinha reserva técnica. Não lhe faltaram agressões, ataques, traições, espancamento e quando sua última gota de sangue caía no solo, ainda havia reserva emocional para expressar amor e de seus lábios fluiu a mais bela frase de perdão: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo.”
Nesse mundo marcado pelo stress, como manter reserva emocional?
1-Tenha consciência da necessidade: você vai ser atacado, interna ou externamente, em algum momento. Isso não é opcional;
2- Observe o que drena seu tanque emocional. Na rotina, não se permita esgotar até o final. Fuja de questões que vão te sugar emocionalmente sem te acrescentar nada. Paulo diz: “Afasta-te destes”
3- Descubra o que enche seu tanque emocional. Às vezes, um simples pão, um botija de água e uma boa noite de sono fará você “caminhar quarenta dias e quarenta noites até Horebe, o monte de Deus”;
4- Aproxime-se de pessoas que vivem a graça de serem agregadoras. Para um solitário como Elias, achar um Eliseu, que agrega muitos profetas em volta dele, foi um ganho significativo em seu ministério;
5- Não deixe nada pendente na sua história. Encontre seu Labão e levante um marco pondo fim às questões. Depois siga seu caminho e os anjos de Deus que virão ao seu encontro. Gn 31. 44 a 32.1
6- Procure um grupo de pastoreio mútuo, invista tempo cultivando um ambiente de graça onde o coração é aberto para cura.
7- Cuide da “cinderela de sua alma”, se não, na aflição da meia noite, todo encanto se quebra e se volta da dura realidade do conflito.
Walter da Mata
06/07/2021
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